domingo, 14 de fevereiro de 2010

De quantas maneiras é possível Caminhar?




Diz-se que a arte torna o mundo visível. Se à percepção humana da Natureza e do mundo que nos rodeia juntarmos uma componente estética e artística, não ganharemos logo com isso? De quantas maneiras é possível caminhar num pátio? E na vida?

O Homem poderá ser o filho mais complexo e melhor sucedido da Natureza, mas não possui o dom de viver em harmonia com ela. Para prová-lo, basta ler a imprensa diária ou ouvir os noticiários.

De um lugar mais ou menos distante, parte a notícia de uma ocorrência que acaba de lesar um espaço físico e, consequentemente, os que o habitam. O acontecimento é recebido com muita apreensão noutros pontos do planeta, mas a vida continua sem alterações. Certo dia, de um desses lugares que recebeu a notícia, parte outra semelhante à primeira, igualmente alarmante. Continua a ser recebida com apreensão, mas nada se altera. Um dia, mais uma calamidade ......
Não haverá um modo de interromper esta marcha determinada e trágica? Que falta ao Homem para o conseguir?

Almada Negreiros conta, que certo dia, entrou numa livraria com o propósito de comprar um livro que o orientasse na aventura de viver. Rodeado de milhares, naturalmente, sentiu dificuldade na escolha. Não duro para ler metade da livraria, pensou. Finalmente decidiu-se e comprou um livro de Filosofia porque, afirma: eu necessitava pôr ciência na minha vida... e a Filosofia é a ciência da vida.

Não interessa agora averiguar, se do conjunto dos livros de Filosofia existentes na livraria, ele soube escolher o que de facto lhe convinha. A finalidade da evocação deste episódio é chegar a esta conclusão: Ao Homem falta-lhe conviver com a sabedoria acumulada ao longo de milénios de pensamento.



O Homem, a sabedoria e o mundo, intersectam-se no pensamento de Rudolf Arnheim, num lugar especial: a obra de arte. Arnheim, um respeitado professor de Psicologia da Arte e autor de uma obra diversificada e muito apreciada, afirma: A Arte torna o mundo visível, não há sabedoria humana que possa ir mais além.

Que sabedoria é essa que transmite a obra de arte? Como é possível descobri-la num quadro, poema, ou noutro veículo artístico? E que fazer com ela?
Quando Monet escutava os conselhos de Boudin, fazia-o com todo o respeito e atenção. Dizia-lhe Boudin: estude, aprenda a ver e a pintar, desenhe, faça paisagens. É tão belo o mar e o céu, os animais, as pessoas e as árvores, tais como a Natureza as fez, com o seu carácter, a sua maneira de ser, ao ar e à luz tais como são.

Boudin, utiliza palavras e expressões que, transportadas para uma tela, carregam de sentido as formas escolhidas pelo artista para as representar (belo, carácter, maneira de ser). Estes e outros modos de pensamento, com mais ou menos sabedoria, dotam qualquer obra de arte, de valores. Sejam científicos, formais, espirituais e até fantásticos, todos aguardam ser descobertos. O que precisamos é interpretação capaz de abrir os olhos e os ouvidos às mensagens transmitidas pela forma... informa Arnheim.

O efeito da obra de arte prolonga-se, não se limita ao momento da contemplação, deixa rasto, invade as horas prosaicas do quotidiano.

Não faltará ainda ao Homem, incluir a arte nos seus lazeres?

Do puzzle das preocupações ambientais, ressalta uma peça cuja antiguidade a torna curiosa .O Critias de Platão (428/347 a .C.), contém aquilo a que hoje chamamos, análise da paisagem. Este filósofo, imagina o que terá sido a Ática antes da história. Pelo porte de certos vigamentos antigos, conclui que, naquele espaço, terão existido grandes árvores .Ele fala também, da abundância de fontes nos lugares escolhidos para a construção de santuários. A estes factos, opõe a situação da sua época. Lamenta Platão: o que a terra tem de gordo e de mole escorreu de cima dos seus ossos nada mais resta que o seu corpo descarnado.

Mais perto de nós, a romancista sueca Selma Lagerlöf (prémio Nobel em 1909), no livro A viagem maravilhosa de Nils Holgerson, também revela as suas inquietações. Quando Nils, transformado em duende, se prepara para retomar a forma humana e deixar o bando de gansos selvagens que acompanhou à Lapónia, Akka, a velha gansa dirige-lhe as seguintes palavras:



Se aprendeste verdadeiramente algo de bom entre nós , terás abandonado a ideia de que os homens devem estar sozinhos na terra . Pensa em como é grande o país que tendes ! Será que não podeis deixar-nos alguns rochedos nus sobre a costa, alguns lagos e pântanos não navegáveis...algumas florestas afastadas onde nós outros, pobres animais, possamos viver tranquilos.

As preocupações com o ambiente terão milénios, mas é hoje, que a situação atinge níveis mais assustadores .O planeta corre perigo e o problema somos nós. Se é no cérebro do Homem que as crises nascem, só do cérebro do Homem poderá partir o remédio para as debelar.

O herói do filme O Clube dos Poetas Mortos de Peter Weis, é um professor de literatura. Ele entra na aula e convida os alunos, que estão alinhados atrás das carteiras, a subir para essas mesmas carteiras. Com que objectivo lança pedido tão estranho? Ele quer que os alunos olhem o mundo de lá. Pede-lhes que aprendam a mudar de lugar, a tomar altura, pois só assim é possível ver novos caminhos. Pergunta-lhes ainda: de quantas maneiras é possível caminhar num pátio?

Mudar de lugar, tomar altura pede-se também ao Homem.

De quantas maneiras é possível caminhar na vida?

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