domingo, 28 de fevereiro de 2010
OLHOS DE POETA
Escreve-se sobre a relação da sociedade humana com a NATUREZA, num ritmo proporcional ao desencanto sempre crescente, provocado pela degradação do ambiente. Mas esse “desencanto” obriga a esforços concertados e à descoberta de novos possíveis.
Edgar Morin afirma que quando olhamos o estado do planeta “verificamos perigos mortais para o conjunto da humanidade (armas nucleares, ameaças à biosfera) e ao mesmo tempo probabilidades de salvar a humanidade do perigo a partir da própria consciência do perigo”.
Residirá nesta convergência de destinos a responsabilidade telúrica do HOMEM ?
Trata-se de construir uma consciência ambiental mais sentida, concreta e inovadora e, se muito já foi pensado, ainda não se deu o devido relevo ao valor de mensagens provenientes de certos universos, humanismo, estética e religião, entre outros.
A poesia, neste contexto ocupa um lugar privilegiado. Baudelaire gostaria de ter convencido os seus contemporâneos que a poesia é tão importante como o pão. Não indo tão longe, é lícito, porém, colocar a questão: se a sociedade humana achasse a NATUREZA com OLHOS DE POETA, a convivência entre essa e outra não seria mais sadia?
Blocos habitacionais, fios eléctricos, canos, esgotos, lixos, transformam a paisagem e tornaram-na muito estranha. Longe vai o tempo em que o sagrado se colava à NATUREZA, que “saída da mão dos deuses” impressionava pelo aspecto, variedade dos fenómenos e incapacidade de os entender. Se porém os comportamentos assumidos pelos homens das sociedades primitivas e arcaicas desapareceram com a História, hoje, ainda encontramos nos poetas antigos valores, reminiscências de experiências passadas.
Fernando Pessoa é um exemplo bem significativo.
Amar, ver, ouvir, comover, são palavras que o seu heterónimo Alberto Caeiro dispõe para exprimir a intimidade existente entre ele e o mundo natural.
Aprecie-se:
“Aquela Senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem
Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza”
Mas saberá o poeta porque ama a NATUREZA?
Escreveu ele:
“Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama nem o que é amar
Amar é a eterna inocência”
Se Fernando Pessoa não sabe porque ama a NATUREZA o leitor pode descobrir:
“Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado”
……………………………
“No meu prato que mistura de Natureza
As minhas irmãs as plantas
As companheiras das fontes, as santas
A quem ninguém reza”
……………………………
“…oiço passar o vento
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido”
O poeta, que se considera “um animal que a Natureza produziu”, caracteriza o amor que dedica ao universo natural. Afirma ele:
“Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor”
Nos poetas encontramos memória de práticas passadas, exaltação de antigos valores e quem olhar a NATUREZA com OLHOS DE POETA encanta-se e protege-a.
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