domingo, 17 de janeiro de 2010

Jesus de Nazaré provavelmente Poeta (IV)


Antes do Princípio

Para o adolescente tudo é monotonia, enfado, castigo. Também depressa tudo passa. Um repto, uma ideia ousada, uma lem-brança, uma colher cheia de alimento, um passeio pelo campo varrem melancolias.

Vive-se mais um sábado na cândida aldeia de Nazaré. O Sol é brando e a brisa pede licença para passar. Está à porta de casa. Os olhos não encontram onde poisar, vão do pátio ao morro da frente, da tira da sandália à nuvem que muda de forma. Sabe-se lá o que passa pela cabeça do teenager Jesus, à porta da casa, num tranquilo dia de sábado.

Poderá sentir descanso com o futuro a chamar por Ele?

Entretanto passa mais um movimento de rotação da Terra e outro e outro. Num dos habituais passeios pela colina, encontra um grande rebanho mas não vê o pastor. Os olhos percorrem o espaço envolvente. Que se passará? Senta-se e decide contar as ovelhas que pastam, são 99.

O tempo passa e o pastor aparece com uma ovelha sobre os ombros. Estava perdida e encontrou-a, abandonara 99, para ir buscar a que se perdera. Retém o episódio, talvez um dia mais tarde o conte a alguém.

Que pensará Ele da história de Sansão, o que feriu mil homens com a queixada de um jumento?

Que pensará Ele de Jonas, o que esteve três dias e três noites dentro do ventre da baleia nas profundezas oceânicas, por não querer ir pregar a Ninive?

Que pensará Ele da prostituta Raabe, da queda dos muros de Jericó, do massacre que se seguiu?

Prefere pensar na criança que foi, porque em todo o começo há um encanto e… encontra-a:
Mima o gato e mima o cão, sai a correr pela porta da rua e só volta quando, já cansado das brincadeiras com os outros miúdos, sente no ar o cheiro do pão ázimo que coze no forno.


P.S. A Proclamação do Acto Poético em Oito Pontos de H. C. Artmmann declara no primeiro ponto: Há um princípio intocável, que diz que se pode ser poeta sem jamais ter escrito ou pronunciado uma palavra.

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