terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O Sol de Todos



Os olhos da minha amada não se comparam com o Sol
Shakespeare

A Natureza exprime sempre algo que a transcende, afirma Mircea Eliade e, deste facto, tanto pode resultar uma teoria científica, como uma sinfonia, um poema ou uma pintura. O avanço da Ciência, porém, trouxe alterações a vários níveis, na relação do Homem com a Natureza. Assim, conhecendo-se cientificamente um fenómeno natural, o pôr-do-Sol por exemplo, será ainda possível, continuar a olhá-lo com o mesmo estremecimento de alma que proporcionava antes de ter chegado a explicação da Ciência? Este poema de Baudelaire sobre os ocasos, proporcionará o mesmo aprazimento antes e depois da aquisição de conhecimentos sobre o fenómeno?

Os sóis-poentes
Revestem os campos
Os canais, a cidade inteira
De jacinto e ouro
O mundo adormece
Numa cálida luz.


O testemunho de certo cientista, sobre a questão dos efeitos da Ciência na relação do ser humano com a Natureza, interessa particularmente. É ele Hubert Reeves, conselheiro científico da NASA e doutorado em astrofísica nuclear. Conta Reeves que já na juventude vibrava perante um mar inflamado pelo Sol poente. Certo dia, porém, conhecia já os estudos do físico escocês Maxwell, estava diante do oceano sereno gloriosamente colorido pelo Sol, quando escutou uma voz interior que lhe dizia: Estes desenhos, estas formas, estas tonalidades cambiantes são as soluções matemáticas das equações de Maxwell, perfeitamente previsíveis e calculáveis. Nada mais do que isso ...No meu céu interior erguiam-se as equações de Maxwell, frias, inexoráveis. A sua luz crua abolira, assim me parecia, a frágil magia do céu rosa e do mar cintilante. Esta expressão, assim me parecia, que Reeves intercala, anuncia um desfecho simpático. Com efeito, no livro Malicorne, reflexões de um observador da Natureza, Reeves percorre uma trama compacta de caminhos, e o leitor acaba por concluir que o cientista encontrou explicações suficientes para continuar a deleitar-se com um pôr-do-Sol. De certo modo, este episódio, lembra a célebre resposta de Diógenes, dada a Alexandre o Grande, quando este, preocupado com a vida pobre que o filósofo levava, pergunta-lhe o que precisa para viver com mais conforto. A resposta, sobejamente conhecida não tardou: não me tires o meu Sol.

D. Quixote confortava Sancho dizendo-lhe que o Sol nasce para os maus e para os bons. Cervantes tinha razão, o Sol contempla todos, mas cada um recebe-o de seu modo e consoante as circunstâncias. Um pintor, um poeta e aquele profeta que ensinou a fazer da vida uma obra de arte, exemplificam. A luminosidade da Natureza, as variações de luz na sua relação com as formas surpreendiam os olhos de Monet que pintou cerca de quarenta “catedrais de Ruão”. Sempre a mesma fachada, sem céu nem solo, o pintor registou o efeito das variações da luz. Há a catedral de Ruão com Sol intenso, com sol, etc., etc. O poeta, supremo artista da palavra, utiliza-a ao serviço da fraternidade. Escreveu Pessoa: Bendito seja o mesmo Sol de outras terras que faz mais irmãos todos os homens. Jesus de Nazaré surpreende porque disse: Os justos resplandecerão como o Sol.

O Homem é inventivo, capaz de encontrar a saída de todos os labirintos, mas desenvolveu a inteligência mais rapidamente que as qualidades morais. As religiões apesar das boas intenções que as movem conduziram à intolerância e ao fanatismo, a Arte poderá ser um caminho para chegar à fraternidade ,à justiça, ao Amor. O Sol faz da Terra o nosso País.

2 comentários:

  1. Bom dia Filha do Luar, gostei de sentir o Sol de todos, com a interessante perspectiva da Arte a constituir um caminho potencial para a fraternidade! É inspirador. Filha do Sol

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  2. De um coração sensível para outro coração sensível, esperando por melhores dias para o relacionamento entre os Homens. Paz para si.

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