segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Futuro é Biologica e Espiritualmente Aberto (III)


3. Por um Mundo melhor


Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares
António Gedeão


Situado num cenário natural cujo poder não pode igualar e preocupado com as vicissitudes da família humana, o Homem, mesmo aquele cujo espírito está pleno de entusiasmo e com forte tendência para interpretar os factos de modo confiante, por vezes interroga-se: Será trágica a essência da vida? Onde vive a comunidade dos homens piedosos?

Teoricamente o Homem, reparte-se por dois blocos. Os optimistas que acalentam a máxima de Cícero ninguém pode ser bem-aventurado sem virtude e que procuram as fontes do prazer genuíno, conhecimento científico, experiência estética e os pessimistas, que cultivam e embalam angústias, que guardam raivas e ressentimentos que vêem a morte encerrada em cada ser. Entre uns e outros, haverá um grande número de indecisos. Se a confiança se vai apagando como vela que se consome, acabam por engrossar o conjunto dos pessimistas.

Copérnico informou que o Homem não está no centro do Universo e o espanto e a violência acolheram a revelação. Na actualidade, espanto e polémica intelectual, acompanham a marcha do conhecimento científico. Quando no seio da família humana germina o desencanto há sempre um intelectual a culpar outro intelectual, pelo desconserto do mundo.

Bertrand Russel (1872-1970), distinguido com o prémio Nobel da Literatura e com o prémio Nobel da Paz, manifesta alguma reserva acerca dos resultados futuros da teoria da evolução. Pensa ele que no estado actual dos nossos conhecimentos nenhuma filosofia optimista pode fundamentar-se na evolução. Com efeito ainda no século XIX, quando se acreditava que todos os seres vivos eram imutáveis, Darwin observa que, indivíduos da mesma espécie, divergem entre si. Tudo começa quando em 1832, com apenas 24 anos de idade, participa como naturalista, na grande expedição científica do brigue britânico Beagle. Entre muitos outros casos, ele nota que as tartarugas das ilhas Galápagos estão adaptadas às características do ambiente. As que habitam ilhas áridas, alimentam-se de folhas de árvores e possuem pescoços longos, as que vivem em ilhas com abundância de água e vegetação rasteira, têm pescoços curtos. Durante mais de duas décadas Darwin acumula exemplos, estuda-os e, em 1856, apresenta o célebre livro A Origem das Espécies Por Meio da Selecção Natural ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Existência. Sendo um contributo importante para a compreensão da história da vida na Terra, o darwinismo, com o relevo que dá às ideias de selecção natural e sobrevivência do melhor adaptado, passa a imagem de um mundo cruel, de um meio ambiente hostil e, ainda, há quem aproveite o darwinismo para justificar comportamentos desumanos, competições e guerras. Jacques Monod, aumenta o desencanto. Distinguido com Prémio Nobel da Medicina em 1965 e autor do livro Acaso e Necessidade, propõe uma explicação, para o aparecimento da vida e do Homem na Terra. Ele afirma que nada predestinava a vida a aparecer sobre a Terra e o ser humano a emergir do mundo animal o acaso e mais ninguém tem a decisão, isto é, todas as transformações que a vida vem realizando ao longo de milhares de milhões de anos, todas as mutações que os organismos vegetais e animais foram conseguindo de geração em geração, todas as leis da Natureza, descobertas e analisadas pelos homens da ciência, tudo é puramente fortuito. Não restam dúvidas, ficar pela explicação do acaso é muito cómodo, mas o tema merece o esforço de uma conclusão mais digna.

Popper aponta os malefícios destas e de outras interpretações, que classifica de nefastas e pessimistas: Ele afirma: É precisamente no pessimismo que eu vejo o maior risco, ou seja na tentativa permanente de dizer aos jovens que vivem num mundo cruel. Considero este o mais grave perigo do nosso tempo, mais grave ainda que a bomba atómica o sugerir-se às pessoas que vivem num mundo ruim, num mundo hipócrita ...naturalmente que é um mundo cruel, uma vez que há um mundo melhor... temos que prosseguir nessa procura de um mundo melhor.

Curiosamente a revista CAIS de Outubro de 2007 inclui um texto repassado de amargura e sofrimento escrito por Arnaldo Rozembaum Spatz. Ele, que eleva ao expoente máximo o seu pessimismo, vive as plurais misérias da época: uma vida opaca e vazia, considera-se uma mazela, um peso morto e sente-se tratado como lixo. A solidão o medo, a pobreza, a dor, são os ingredientes que fazem o quotidiano de Arnaldo Spatz, e por tudo isso ele afirma: já não sei até que ponto ainda existo, pois o facto é que nos dias actuais nós não somos nada além do que temos . Portanto, como não tenho nada já não sei mais quem sou. Talvez eu seja apenas uma ilusão da minha própria mente cansada e deturpada pelas muitas vezes em que perco os sentidos no meio da minha própria dor.

Imerso num mar de sentimentos magoados, pune-se a si próprio, ao perder a capacidade de procurar fontes de alívio. Spatz passa pelas coisas sem as ver: bibliotecas com quilómetros de prateleiras repletas de livros prometedores de preciosas horas de leitura, museus com obras de arte, realizações singulares da mente humana, de valor eterno, espectáculos naturais de impressionante beleza, capazes de transformar a mágoa em admiração e em espiritualidade.

Arnaldo Spatz sente na pele a necessidade de existir um mundo melhor, mas talvez não tenha pensado ainda que, para isso, todos, são precisos, ele também.

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